terça-feira, 29 de setembro de 2009

Os custos da energia eólica brasileira

Os benefícios da inserção da energia eólica para a segurança da matriz elétrica brasileira, devido à sua complementariedade com o regime hídrico, e para a manutenção do caráter limpo e renovável da matriz brasileira são indiscutíveis.
Contudo, não se pode ignorar nesta análise o eventual impacto que a contratação de grandes montantes de energia eólica pode ocasionar no nível tarifário brasileiro, o que é conflitante com a necessidade de modicidade tarifária.
A questão que se coloca é porque a energia eólica ainda é tão cara no Brasil, tendo em vista que esta fonte de energia já é competitiva em outros países. No Brasil, os empreendedores alegam que a tarifa viabilizadora da energia eólica seria de R$ 0,21 por KWh, equivalendo a uma tarifa de US$ 0,10, com base na taxa de câmbio média de R$ 2,03 verificada nos últimos 48 meses. Esta tarifa é superior a tarifa de R$ 0,15 exigida pelas usinas de biomassa, por exemplo. Porém, o relevante a ser analisado é que em muitos países a energia eólica já é viável com uma tarifa de US$ 0,04. Neste sentido, um dos grandes benefícios do leilão de energia eólica será indicar qual é o
real custo da geração eólica no Brasil porque será o primeiro instrumento de contratação competitivo de grande porte a ser realizado no Brasil. Entretanto, embora seja discutível o custo da energia eólica no Brasil, é bastante plausível a hipótese que a mesma possui um custo superior aquele verificado em outros países.
Especificamente, o maior custo da energia eólica no Brasil pode ser atribuído aos maiores custos logísticos de implementação dos projetos, como por exemplo à precariedade das estradas nordestinas, região onde se encontra o maior portencial eólico no país, e ao número restrito de ofertantes nacionais de aerogeradores associado às restrições de importação destes equipamentos. Os custos relacionados à logística do país fogem do escopo analítico deste texto por estarem relacionados a questões estruturais do país e devem ser encarados como uma condição de base. Porém, se faz necessária uma análise mais detalhada dos custos dos bens de capital. A indústria de aerogeradores mundial está organizada sob a forma de oligopólio com
os 4 maiores fabricantes (Vestas, GE Wind, Gamesa e Enercon) possuindo um market share de aproximadamente 70%. Embora concentração de mercado não signifique necessariamente poder de mercado porque existem mercados que são contestáveis, no caso da indústria de aerogeradores estas firmas, de fato, possuem poder de mercado porque não existe contestabilidade devido a existências de barreiras à entrada referentes a escala de produção e ao caráter de constante inovações
tecnológicas da indústria que resultam em vantagens absolutas de custo e diferenciação de produto das firmas estabelecidas. Neste sentido, é vital que haja
incentivos à concorrência para que as firmas estabelecidas não cobrem preços acima dos preços competitivos.
No Brasil, a oferta de turbinas eólicas se restringe a duas firmas que possuem vantagens competitivas adicionais: imposto de 14% sobre a importação de aerogeradores, apenas aerogeradores com potência superior a 1,5 MW podem ser importados e o fato do BNDES só conceder financiamento a fabricantes nacionais.
Portanto, estas duas firmas possuem condições de cobrarem preços bastante acima daqueles que seriam competitivos porque o mercado apresenta significativas barreiras à entrada.
Entretanto, não se pode ignorar o aspecto estratégico do bem energia elétrica e a necessidade de se desenvolver a indústria de bens de capital que fornece os equipamentos necessários para uma fonte de geração de energia tão promissora como a geração eólica. Logo, embora reserva de mercado seja uma prática condenável, a garantia da competitividade dos fabricantes que estabeleceram fábricas no território nacional é uma decisão correta. A questão que se coloca é a forma pela qual deve se garantir a competitividade dos fabricantes nacionais, em um país em vias de desenvolvimento, que necessita do suprimento de energia elétrica a preços competitivos, uma política de desoneração tributária sobre a cadeia produtiva de aerogeradores nacionais garantiria uma concorrência onde o preço de equilíbrio seria mais condizente com a modicidade tarifária que o estabelecimento de impostos sobre a importação com o intuito de garantir a competitividade do competidor nacional.
A desoneração tributária da cadeia produtiva também seria um mecanismo de atração de outros fabricantes de turbinas eólicas. Além disso, com o intuito de fomentar a concorrência e criar condições de contestabilidade na indústria de aerogeradores , devem ser formatadas políticas públicas de concessão de crédito a projetos inovadores porque o crédito é capaz de transformar a inovação tecnológica de barreira à entrada em mola propulsora de mudanças na estrutura de uma indústria ou até
mesmo sua extinção, em uma visão schumpeteriana.
De fato, o incentivo governamental é a forma mais adequada e eficiente para aumento da inserção da energia eólica, e de outras novas renováveis, na matriz elétrica brasileira. Em verdade, ao contrário da agenda neoliberal da década de 1990, a
agenda atual é direcionada pelo aumento da participação das fontes de energias renováveis na matriz energética. E este aumento é condicionado por maior participação do Estado na definição dos rumos do setor energético como um todo. Neste sentido, uma complexa rede de subsídios, programas e políticas encontra-se em
curso.
A União Europeia (UE), por exemplo, a partir da constatação de uma crescente dependência de insumos energéticos importados de fora da UE, tem metas explícitas de aumento da participação de fontes renováveis de energia na sua matriz energética.
Castro e Leite (2009) mostram que uma alternativa pragmática para minimizar o problema da dependência de insumos importados e cumprir as metas do protocolo de Kyoto é aumentar o parque eólico. A potência instalada das usinas eólicas no mundo, que era de reduzidos 6,1 GW em 1996, atingiu o expressivo montante de 120,798 GW ao fim do ano de 2008. Países como Alemanha, Espanha e Dinamarca já dispõem de expressivo parque eólico. Em comum, o fato do incremento de energia eólica nestes países ser fruto de políticas de promoção de fontes alternativas de energia. Como mostra o estudo CEPs (2008), há forte tendência de crescimento das fontes renováveis no setor elétrico europeu. O estudo mostra que o setor elétrico europeu é
responsável por 1/3 das emissões de européias de gás carbônico. Logo, o aumento das fontes renováveis desempenhará um papel importante nas metas ambientais do continente.
Fica claro, porém, que este novo direcionamento, visando menor dependência
energética e mais fontes limpas, não se dará via mercado meramente. É fundamental o estabelecimento de políticas e regulamentos que incentivem tais investimentos. Ou seja, pode-se avaliar que há suficiente percepção de que o mercado, per se, não é suficiente para indicar os rumos da expansão, principalmente se esta se dá em direção ao aumento da participação das fontes de energia renováveis, usualmente mais caras. Assim como na UE, nos Estados Unidos também observa-se forte tendência ao uso de fontes renováveis de eletricidade. Desta forma, nos EUA também se observa forte tendência de aumento da coordenação política. No caso americano, onde desenha-se, de acordo com o plano de energia do Presidente Barack Obama, um crescimento da participação das fontes renováveis para 10% do total até 2012 e 25% até 2025, a participação governamental, via financiamentos e/ou subsídios, configurará elemento primordial dos investimentos no setor.
Por fim, é por meio de política energética que se dá o planejamento do setor elétrico.
E, neste contexto, a política energética tem a possibilidade de, por meio de políticas públicas, reduzir os custos de energia eólica, especialmente os custos de capital.
Portanto, é importante que haja esforço governamental que crie, incentive e dê suporte ao mercado de energia eólica. Ou como coloca Komor (2004), a energia eólica já está
tecnologicamente bastante avançada, o que se necessita são ações que a coloquem no mercado de forma competitiva.


Guilherme de A. Dantas é doutorando do Programa de Planejamento Energético da COPPE/UFRJ e pesquisador-sênior do Grupo de Estudos do Setor Elétrico do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. André Luis da Silva Leite é pós-doutor pelo IE/UFRJ, Professor da Unisul - Universidade do Sul de Santa Catarina - e pesquisador-sênior do GESEL/IE/UFRJ.

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