segunda-feira, 12 de julho de 2010

Sustentabilidade

O descompasso entre o discurso e a prática não é uma peculiaridade dos tempos atuais. Desde a Grécia antiga e até mesmo antes dela, já se discutiam os tramas e dramas do discurso político. Nem sempre o discurso deixa que se revelem as segundas intenções por detrás da fala. Outras tantas vezes, uma análise atenta do discurso permite descortinar intenções ocultas, que infelizmente, revelam-se politicamente incorretas.






Meio Ambiente, sustentabilidade e proteção da natureza viraram idéias-força bastante difundidas atualmente e incorporadas por um número significativo de atores sociais, com interesses e posturas ambientais variadas e, até mesmo, opostas. Do radicalismo da organização não-governamental Deep Ecology (Ecologia Profunda) à diretoria de grandes empresas, todos, em uníssono, são a favor do meio ambiente. Uns dizendo que toda e qualquer atividade empresarial destrói o meio ambiente e outros afirmando que é possível se avançar em direção ao chamado “capitalismo ecológico”.





Para os otimistas isso é sinal de convergência em torno de um tema fundamental para a sobrevivência de todo o planeta, inclusive dos seres humanos: a proteção ambiental. Mas o otimismo do discurso pode encobrir um pessimismo profundo na prática. Discurso e prática, quando se fala de Responsabilidade Sócio-Ambiental de Empresas, podem caminhar bem descompassados. Infelizmente, fica sempre a desconfiança de que a prática caminha a passos bem mais lentos que o discurso. Trocando em miúdos, muita propaganda empresarial e pouca ação efetiva. Ou ainda, muito mais recursos gastos em publicidade do que na proteção ambiental em si. Prova disso são os balanços sociais de empresas, que muitas vezes encobrem essa relação entre gastos com divulgação da empresa e investimentos em meio ambiente.



Um dos grandes desafios da incorporação da agenda ambiental por parte das empresas reside no caráter instrumental que marca as relações no espaço interno das organizações. As empresas privadas, como toda e qualquer organização, são regidas por um certo grau de instrumentalidade. O que significa isso? Significa orientar ações, posturas e formas de explicar o mundo por uma racionalidade (um raciocínio) centrado na lógica de meios para atingir fins, de recursos para atingir objetivos. Sendo mais claro: no ambiente empresarial sempre se pensa nas pessoas e nos recursos disponíveis (inclusive a natureza) como meios para se atingir os objetivos propostos; como peças de um jogo de estratégia no qual o objetivo é se alcançar o máximo resultado. A maioria das relações que se estabelecem no espaço interno das empresas são marcadas por essa instrumentalidade. Por exemplo, investe-se em qualidade de vida no trabalho e em melhores salários porque se aprimora as condições de vida do empregado, mas sobretudo porque empregados felizes e satisfeitos com a empresa são mais produtivos, gerando maior lucratividade.





Como bem já lembrava Kant, nos empreendimentos empresariais os valores, a moral e a própria ética podem se tornar um mero artifício para o alcance de metas. O filósofo alemão cita o exemplo do comerciante que agradava seus clientes não porque acreditava no valor maior de se ter bons amigos, mas sim porque se preocupava em não perder fregueses para a concorrência.





Alguém pode pensar: mas tudo na vida envolve um certo grau de interesse, mesmo na esfera pessoal de cada indivíduo! Correto, mas o problema é que o discurso da máxima eficiência e competitividade, que domina hoje o ambiente de trabalho nas empresas, faz ampliar o grau de instrumentalidade das relações, em detrimento da adesão aos valores por si mesmos. Os interesses passam a vir antes e a sufocar o compromisso com os valores.





A adesão das empresas a valores sócio-ambientais e a uma moral de defesa do meio ambiente pode se dar apenas como um mero recurso para reduzir a pressão de governos, comunidades, consumidores e até de acionistas (donos) sobre as próprias empresas. Afinal, a degradação do meio ambiente está se tornando, a cada dia mais, um mal negócio para as empresas. Multas, embargos legais, boicote de consumidores, manifestações de comunidades e várias outras formas de pressionar as empresas têm se tornado uma dor de cabeça para os executivos, até mesmo das grandes corporações multinacionais. Shell, McDonalds, Monsanto e Wall Mart são apenas alguns dos inúmeros exemplos de empresas transnacionais poderosas que tiveram que se curvar ao também poderoso poder de fogo de organizações não-governamentais e comunidades.





No final das contas, quando a adesão aos valores ambientais é feita meramente de forma instrumental, o forte apelo para que o homem seja entendido não como um ser exótico ao meio ambiente, mas como parte integrante dele é jogado por terra. Não se protege a natureza porque isso é algo correto ou necessário por si só, mas porque ajuda a alcançar um outro objetivo. Não se protege a vida de todos os seres vivos não-humanos porque, como viventes, eles têm direito à vida como qualquer um de nós. Protege-se a natureza para atingir uma meta maior: perpetuar a empresa e assegurar que continue dando lucros.

No caso brasileiro o cenário é mais dramático ainda, pois os objetivos empresariais ainda continuam muito focados no lucro de curtíssimo-prazo. Mas agora, um lucro menos selvagem. Como diz John Elkington, as empresas continuam a ser canibais, mas agora “Canibais com Garfo e Faca”. Aliás, esse é o título de seu interessante livro, publicado pela editora Campus.





Apesar de tudo, continuo fazendo muita força para me colocar no grupo dos otimistas. Acho que depois de todo esse “oba-oba” das empresas em torno da Responsabilidade Sócio-Ambiental, as comunidades, os consumidores e os cidadãos vão começar a despertar para o fato de que, para se proteger de maneira consistente (ou se quiserem, de maneira sustentável) o meio ambiente será preciso ir além da racionalidade instrumental. Nesse dia, o meio ambiente voltará a ser mais ambiente e menos meio. Atualmente, desconfio que ele é visto pelas empresas muito mais como um meio para se reduzir a pressão das comunidades sobre suas atividades produtivas e assegurar seus lucros, do que como o ambiente que nos cerca, dá sentido à nossa vida e é essencial para nossa sobrevivência.