sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Mudanças climáticas: o valor das convergências

A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) divulgou nesta terça-feira (13), documento que estabelece princípios para o setor produtivo em relação às mudanças climáticas. O material, elaborado pelo Comitê de Mudanças Climáticas, também mostra a posição de vanguarda do Brasil na economia de baixo carbono e propõe ações para o setor produtivo.


Os efeitos sociais, econômicos e ambientais das mudanças climáticas apresentam-se como grandes desafios desta e das próximas gerações. Sua avaliação está embasada em estudos científicos e econômicos conduzidos pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e aceitos pela comunidade internacional. Eles apontam alterações parcialmente inevitáveis, mas que podem e devem ser mitigadas por iniciativas públicas e privadas no sentido de reduzir as emissões de Gases de Efeito Estufa.

Brasil na Economia de Baixo Carbono
O que para o mundo será o futuro, no Brasil já é o presente.
Ao mesmo tempo em que os países ricos criaram historicamente um passivo ambiental, o Brasil desenvolveu uma verdadeira Economia Verde.
O Brasil construiu uma matriz energética limpa, baseada em fontes hidráulicas e em biocombustíveis. Nosso País já utiliza 46% de fontes renováveis, enquanto a média mundial é de 12%, ante 6% nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Antecipamo-nos ao criar um programa de biocombustíveis — único no
mundo —, desenvolvendo novas tecnologias, invejáveis a qualquer nação, a
exemplo da produção e uso em larga escala de etanol a partir da cana-deaçúcar.
Este combustível inovador produzido no Brasil reduz, em até 90%, as
emissões de CO2 na atmosfera quando comparado à gasolina. A adição de
10% de etanol brasileiro a toda gasolina consumida no mundo reduziria, em até
9%, o total de emissões provocadas pela utilização deste combustível em
automóveis.
No processo de transição para uma economia global de baixo carbono, o
Brasil já apresenta vantagens em relação a outros países: produtos e serviços
com baixa intensidade de carbono. Tais pontos positivos devem ser aproveitados tendo em vista o aumento da nossa competitividade no mercado global. Isso garantiria ao País uma boa posição econômica no futuro, já que os investimentos a serem previstos pelos setores público e privado deverão levar em consideração as consequências que o aquecimento global poderá
acarretar.
O vanguardismo dessas bem-sucedidas experiências coloca o nosso País em posição estratégica para servir de exemplo e liderar a necessária transição à economia global de baixo carbono. E, também, garante ao Brasil uma posição privilegiada nas discussões da 15ª Conferência das Partes da Convenção do Clima (COP-15), que a Organização das Nações Unidas (ONU)
realizará em dezembro próximo, na Dinamarca.
Panorama Internacional
Em 2007, os países desenvolvidos comprometeram-se com grandes
cortes de emissões de gases de efeito estufa no médio e longo prazo,
buscando estabilizar o aumento da temperatura da Terra em aproximadamente
2ºC. Segundo o IPCC, para que este objetivo seja alcançado é necessária uma
redução efetiva de emissão de gases de efeito estufa nas nações
desenvolvidas, em aproximadamente 80%, até 2050, tendo 1990 como ano
base.
O IPCC sugere que os países desenvolvidos reduzam pelo menos de
25% a 40% suas emissões até 2020. Entretanto, as posturas até aqui
anunciadas nas negociações internacionais mostram que há forte probabilidade
de estas metas não serem alcançadas, colocando em risco a Conferência de
Copenhague.
Os Estados Unidos, que até há pouco tempo se mostravam alheios ao
processo negociador e às ações significativas de mitigação, começaram a se
posicionar nos últimos meses.
Um projeto de lei aprovado na Câmara do Deputados norte-americana
aguarda o parecer do Senado. No entanto, essa proposta reflete uma tímida
evolução no debate sobre esforços internos dos EUA na redução de gases de
efeito estufa. Prevendo apenas 17% de diminuição de emissões, tendo 2005
como ano base, representaria apenas uma redução de 4,5% em relação a
1990. Trata-se, portanto, de um esforço muito inferior àquele apropriado para a
mitigação acordada em nível internacional.
Ademais, a soma das emissões dos Estados Unidos, União Europeia,
Japão e China representa 80% do total do mundo. O Brasil não responde
sequer por 2% e os outros países em desenvolvimento, menos de 20%. Isso
demonstra que a estratégia internacional de implantação de uma economia de
baixo carbono depende do comprometimento real dos maiores emissores, no
médio e longo prazo, com reduções significativas das suas emissões.
Com relação aos países em desenvolvimento, o Protocolo de Quioto
estabeleceu o princípio da responsabilidade comum, porém diferenciada, que
foi negociado em acordos internacionais sucessivos até que, em 2007, o plano
de Bali definiu a responsabilidade das economias emergentes: atenuar a curva
de crescimento de suas emissões de gases de efeito estufa.
Para tanto, serão estabelecidos compromissos mensuráveis, verificáveis
e reportáveis. São as chamadas Ações Nacionais Apropriadas de Mitigação (na
sigla em inglês NAMAs).
No âmbito das negociações da COP 15, o que se espera do Brasil são
compromissos de erradicação do desmatamento ilegal, que representa 75% de
nossas emissões, segundo o último inventário brasileiro sobre a questão.
Portanto, devemos buscar a criação de mecanismos financeiros que
remunerem os povos que protegem o nosso meio ambiente.
Mudanças Climáticas e Comércio
O mundo precisa caminhar em direção a um paradigma de
desenvolvimento no qual minimizar as emissões dos gases de efeito estufa
será o mote dessa nova ordem econômica. Diversas iniciativas paralelas à
discussão diplomática em curso na convenção climática estão sendo
estruturadas. Porém, o conceito predominante no posicionamento de diversos
países não é de um modelo sustentável de crescimento, o que pode se
constituir em um sério entrave ao comércio internacional.
A conformação de um novo paradigma sobre mudanças climáticas na
ausência de definições correspondentes no regime de comércio internacional
— particularmente no tocante a medidas ambientais relacionadas à produção
—, configura uma ameaça à competitividade dos países emergentes.
A falta de uma posição normativa internacional sobre este tema cria
preocupante espaço para a adoção de medidas restritivas e unilaterais no nível
nacional — algo que tende a distorcer o comércio e favorecer produtores pouco
competitivos em países desenvolvidos sob a égide de uma suposta defesa do
meio ambiente.
A importância das ações de mitigação de emissões de gases de efeito
estufa não deve servir de pretexto para a adoção de medidas protecionistas.
É preocupante a possibilidade de que adoção de políticas unilaterais de
comércio seja considerada precedente para a aplicação de medidas
semelhantes por outros países.
As políticas internacionais e nacionais sobre mudanças climáticas
devem, obrigatoriamente, ser consistentes com as regras de comércio
estabelecidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Este organismo
internacional deve ser o único foro para a negociação de novas regras
específicas sobre a relação entre comércio e mudanças climáticas.
Do mesmo modo, a adoção de tarifas de ajuste de fronteira (BTAs) deve
ser efetivada apenas mediante acordo internacional no âmbito da mesma
OMC.
Compromisso Social
Levando-se em conta a desigualdade socioeconômica do Brasil, os
compromissos a serem assumidos na COP-15 terão de estabelecer como
prioridade a inclusão social e o nivelamento das assimetrias regionais. Conciliar
estratégias de redução de emissões de gases de efeito estufa com o
crescimento do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é, certamente, o
maior desafio desta geração.
A FIESP, como representante do maior parque industrial brasileiro, não
se omitirá diante do impacto global causado pelas mudanças climáticas.
Por isso, liderará o processo de elaboração, pelos seus representados,
de inventários e estudos setoriais de emissões para estimular as empresas a
assumirem, voluntariamente, ações de redução de gases de efeito estufa.
6
A COP-15 consiste em mais um passo na construção de um novo
conceito de desenvolvimento, no qual as variáveis socioambientais são
inseridas em um arcabouço maior.
Para que isto se torne realidade, a FIESP entende ser indispensável
contar com a convergência de valores de todos os atores representativos da
sociedade civil brasileira.
Assim sendo, a FIESP reafirma sua responsabilidade em promover a
melhoria da proteção ambiental e assume o compromisso de intensificar a
economia de baixo carbono dos setores produtivos que representa.
Sua posição frente às negociações sobre as mudanças do clima reflete a
consciência do importante papel que desempenha no contexto industrial
brasileiro, o que justifica seu compromisso de prosseguir no caminho do
desenvolvimento sustentável, contribuindo para a melhoria da qualidade de
vida da população brasileira.
PARA O DEBATE:
• Incentivar os diversos setores econômicos a continuar seus estudos de
quantificação de gases de feito estufa emitidos, bem como pesquisas
que apontem os impactos das ações de redução das suas emissões na
competitividade da economia brasileira, viabilizando um
comprometimento maior futuro; e
• Incentivar a transferência de tecnologia as médias, pequenas e
microindústrias, considerando suas respectivas capacidades de
adaptação.
Comércio:
• Refutar legislações nacionais sobre mudanças climáticas que criem
privilégios artificiais e, assim, distorçam o comércio internacional. Para
efeito de políticas regulatórias de comércio exterior relacionadas a
7
mudanças climáticas, os mecanismos de flexibilização devem ser
contabilizados nos inventários nacionais, tanto dos países financiadores
quanto daqueles que implementarem a ação;
• Garantir que as políticas internacionais e nacionais sobre mudanças
climáticas que afetem regras de comércio sejam consistentes com os
seguintes princípios: (i) Nação Mais Favorecida; (ii) Tratamento
Nacional; e (iii) Tratamento Especial e Diferenciado para Países em
Desenvolvimento;
• Estabelecer que as metodologias de mensuração da intensidade de
carbono em bens e serviços devam ser acordadas internacionalmente e
adaptadas às especificidades locais de cada país. As iniciativas para a
difusão aos consumidores de informações sobre intensidade de carbono
e eficiência energética em bens e serviços devem ser ampliadas;
• Criar certificações de produtos e processos de produção com objetivo de
mensurar o ciclo de carbono que, necessariamente, considerem
metodologias adaptadas às características e condições dos países, bem
como basear-se em conhecimentos científicos disponíveis;
• Evitar que a concessão de apoio governamental a programas de
mitigação das emissões de gases de efeito estufa constitua-se em
subsídio, nos termos do Acordo sobre Subsídios e Medidas
Compensatórias e do Acordo de Agricultura da OMC;
• Incentivar a transferência dos direitos de propriedade intelectual como
ferramenta para a promoção da inovação de tecnologias de baixo
carbono, garantindo o efetivo acesso de países em desenvolvimento às
ferramentas que visem a maximizar os esforços globais de mitigação
das emissões de gases de efeito estufa. Os modelos de transferência de
tecnologia de baixo carbono em discussão no âmbito global devem
promover tal ação em conformidade com as regras de comércio
internacional;
8
• Criar a proteção dos direitos de propriedade intelectual à biodiversidade,
incorporando o seu valor inerente;
• Estimular a criação de mecanismos para que os acordos internacionais
sobre mudanças climáticas possam contribuir para a ampliação de
investimentos em tecnologias e métodos de produção de baixo carbono,
em especial em países em desenvolvimento; e
• Compreender que mecanismos de mercado são mais eficientes e
transparentes para a redução de emissões de gases de efeito estufa e
representam custos menores de adequação do que a imposição de
taxas sobre emissões por meio de instrumentos jurídicos. As tendências
nacionais, inclusive de alguns setores no Brasil, apontam para a criação
de um sistema de taxação direta. Isto representa um retrocesso à
tendência mundial de desenvolvimento de mercados interligados de
carbono. O setor produtivo é contra novas taxas que reduzam a
competitividade do produto brasileiro.
MDL:
• Aprovar uma regulação jurídica brasileira que estruture o
desenvolvimento de projetos e que defina a natureza jurídica dos
créditos de carbono. A partir do momento em que estas definições
jurídicas forem estabelecidas, será possível a ampliação de mecanismos
de financiamento de projetos de redução de emissões;
• Reavaliar o procedimento de aprovação de projetos, essencialmente no
que diz respeito ao processo de validação no Brasil; e
• Reavaliar a extensa burocracia adicionada pelo Brasil ao já tão
burocrático processo criado pela ONU, que onera ainda mais nossos
projetos.
Energia:
• Manter a energia hidrelétrica como o principal componente da matriz
elétrica brasileira, por ser uma das fontes de menor intensidade de
emissão de carbono;
• Adequar a participação das fontes de energias renováveis a partir do
bagaço de cana-de-açúcar e eólica e das não-renováveis, nuclear e gás
natural, como fontes de baixa intensidade de carbono, para garantir a
segurança energética, substituindo e evitando a utilização de fontes
térmicas de alto teor de carbono;
9
• Incentivar ações de eficiência energética como um dos componentes da
competitividade e por sua efetividade como instrumento mitigador da
mudança do clima;
• Expandir a utilização de biocombustíveis no transporte de carga do
Brasil, como forma de atender ao previsto no Plano Nacional de
Mudanças Climáticas (PNMC);
• Promover e incentivar a pesquisa de etanol de segunda geração;
• Promover a inserção dos biocombustíveis como ações de mitigação de
outros países, incentivando a adoção de NAMAs de biocombustíveis por
terceiros países; e
• Incrementar a transferência, a outros países, de tecnologias de
produção e utilização de bicombustíveis, oriundas do Brasil.
Uso da Terra, Mudança no Uso da Terra e Florestas (LULUCF):
• Defender, com a mais absoluta firmeza, o combate e punição dentro da
lei de desmatamentos ilegais;
• Criar mecanismo sobre redução de emissões por desmatamento e
degradação e considerar ações de conservação, manejo sustentável de
florestas e aumento dos estoques de carbono de áreas já florestadas
(REDD plus), nos termos do parágrafo (i) (b) (iii) do Plano de Ação de
Bali;
• Defender que sejam consideradas, nas novas regulamentações, tanto
florestas homogêneas quanto heterogêneas, estabelecendo a
diferenciação de cada uma destas, valorizando áreas com maior
biodiversidade;
• Considerar as atividades agrícolas conservacionistas, florestas
plantadas e outras envolvendo o uso da terra e as suas mudanças como
mecanismo REDD plus;
• Considerar a contribuição de ferramentas de REDD e REDD plus como
componentes relevantes das ações nacionais (NAMAs) de redução de
desmatamento e conservação de florestas em pé, que permitam gerar
reduções certificadas de emissões passíveis de serem comercializadas;
e
• Garantir que os modelos de mensuração da análise do ciclo de
produção, que levem em conta as emissões resultantes das mudanças
do uso da terra, considerem as características locais de produção.
São Paulo, Brasil, 13 de outubro de 2009
FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (FIESP)

Nenhum comentário:

Postar um comentário