terça-feira, 16 de março de 2010

O mundo é quente, plano e cheio

O país que conseguir criar uma energia limpa e barata liderará a próxima indústria global, diz Thomas Friedman
Por Época Negócios

Em 2005, o jornalista americano Thomas Friedman lançou uma obra que revelava como as novas tecnologias nivelaram o planeta e fizeram com que trabalhadores da China, da Índia e de outros emergentes passassem a competir em condições iguais com seus colegas dos países ricos. O best-seller O Mundo É Plano está até hoje na lista dos mais vendidos do The New York Times – jornal, aliás, no qual o autor trabalha. Em seu novo livro, Hot, Flat, and Crowded (“Quente, plano, e cheio”), ele aborda a economia global de uma nova perspectiva. O país que desenvolver uma energia limpa, barata e abundante comandará a próxima grande indústria global.

Friedman torce, é claro, para que os Estados Unidos assumam o desafio. Como chegar lá? “Nós precisamos de 100 mil pessoas em 100 mil garagens tentando 100 mil coisas diferentes”, afirma. Só assim poderão surgir cinco boas idéias, das quais uma ou duas serão capazes de criar um Google verde dos novos tempos. A bolha da energia só surgirá, na sua opinião, se o governo americano, as empresas e os consumidores se unirem nesse objetivo. De nada adiantará repetir a abordagem do Projeto Manhattan, que desenvolveu a bomba atômica durante a Segunda Guerra Mundial. “Doze pesquisadores em Los Alamos não conseguirão resolver o problema”, afirma. Uma iniciativa desse tipo obrigaria o país a se contentar com o “etanol de milho de Iowa”.

Apesar da lentidão demonstrada até agora, o pensamento de que os combustíveis são “baratos, perenes e inofensivos” foi substituído pela consciência de que são “caros, limitados e tóxicos” – uma mudança fundamental para enfrentar o problema. Ele reproduz uma frase do xeque Ahmed Zaki Yamani. “A Idade da Pedra não acabou porque o homem esgotou o estoque de pedras”, disse o ex-ministro saudita do petróleo. “Da mesma forma, a idade do petróleo não acabará por termos esgotado as reser-vas, mas sim pelo fato de as pessoas inventarem alternativas.”

Friedman lembra que a última inovação na produção de energia ocorreu há mais de 50 anos, com a criação das usinas nucleares. “Você sabe de alguma outra indústria nesse país cujo principal progresso ocorreu em 1955?” De acordo com o livro, no ano passado as companhias de ração para bichos de estimação investiram mais em pesquisas do que as geradoras americanas de energia.

O jornalista acredita que, se a abordagem dos Estados Unidos não mudar, a China acabará dando conta da tarefa, até porque é o país que mais precisa encontrar uma tecnologia para produzir energia limpa e barata. Friedman vê o surgimento de consciência ambiental naquele país asiático. Os chineses já conseguem ver o potencial econômico das soluções verdes, como prova o surgimento de companhias que exploram a energia eólica e solar. Apenas a tecnologia verde será capaz de enfrentar os cinco grandes problemas do planeta: a demanda de energia, a distribuição dessa energia para toda a população, o aquecimento global, a redução da biodiversidade e as ditaduras financiadas pelos petrodólares.



É preciso taxar carbono para ter economia verde

16/03/10 - O jornalista americano Thomas Friedman, um dos principais colunistas do "New York Times", afirma que os EUA podem "voltar aos trilhos" e recuperar sua liderança global com investimentos maciços em tecnologias de energia limpas, o que só será possível com uma estrutura tributária que preveja, por exemplo, taxação sobre o preço do carbono.

Essa é a ideia central de "Quente, Plano e Lotado" (ed. Objetiva, 605 págs.), que chega às livrarias brasileiras na quarta-feira, 24. O livro é um aprofundamento do best-seller "O Mundo é Plano" (ed. Objetiva), que desde 2005 vendeu 85 mil exemplares só no Brasil.

FOLHA - A ideia-chave de "Quente, Plano e Lotado" pode ser resumida na frase do presidente Barack Obama: "A nação que liderar a economia da energia limpa será a que irá liderar a economia global; e os EUA precisam ser essa nação". Que argumentos sustentam essa ideia?

THOMAS FRIEDMAN - Algumas pessoas não acreditam no "quente". Tudo bem, deixemos apenas o plano e o lotado. Plano é minha metáfora para mais e mais gente se juntando à classe média mundial e vivendo como americanos, quer estejam no Brasil, na Índia ou na China.
Lotado é porque há cada vez mais e mais pessoas. No mundo plano e lotado há cada vez mais gente com casas, carros e Big Macs do tamanho americano. É claro para mim que a próxima indústria global será a tecnologia energética (TE), que vai capacitar mais e mais gente a melhorar seu padrão de vida sem queimar e destruir o planeta. O país que detiver TE terá mais segurança energética, nacional e econômica, companhias inovadoras e respeito global. Claro, quero que esse país seja o meu, mas quero que todos aspirem a ser essa nação.
FOLHA - O sr. não crê em decisões tomadas em conferências globais.

FRIEDMAN - Exatamente. Alguém tem de me provar que funciona. Não sou contra o Protocolo de Kyoto ou o esforço de Copenhague, mas, se você conseguir fazer com que 193 países concordem, Deus te abençoe. Na falta disso, quero liberar meus inovadores e engenheiros para tentar o mesmo objetivo por meio da inovação.

FOLHA - O que deve ser feito para estimular esse tipo de iniciativa?

FRIEDMAN - Precisamos de políticas tributárias para incentivar, a longo prazo, a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologia limpa. Houve um pouco no pacote de estímulo, mas é necessário muito mais. É preciso uma política de preços para o carbono. Sem isso, nada acontecerá. Sou um crente no mercado. Uma taxação de longo prazo, fixa e durável, estimularia 10 mil inovadores verdes em 10 mil garagens, tentando 10 mil coisas. Mil serão promissoras, cem serão realmente legais, e duas, os próximos Google e Microsoft limpos, que nos darão o que precisamos: elétrons confiáveis, limpos, baratos.

FOLHA - Uma pesquisa do Instituto Gallup mostrou que há mais céticos do aquecimento global hoje do que em 1997. Em que o discurso das mudanças climáticas está falhando?

FRIEDMAN - Infelizmente, a combinação tóxica de "climagate" [divulgação de e-mails de climatólogos, revelando tentativa de negar informação a céticos do clima], "relativamente pequenos" erros no IPCC [acusado de ter cometido erros em relatório] e recessão -e o fato de as pessoas mais do que nunca quererem energia barata- permitiu aos negacionistas confundir as pessoas e poluir o debate. Quem não queria acreditar ganhou razões para isso. E cientistas, políticos e membros do governo fizeram mau trabalho defendendo o caso.

FOLHA - Em ano de eleição, é possível algo favorável no Congresso?

FRIEDMAN - No momento, a estratégia está mudando. Pessoalmente, creio que o projeto "cap-and-trade" [comércio de permissões para emitir CO2] esteja morto. Agora, os senadores John Kerry, Lindsey Graham e Joe Lieberman estão trabalhando numa estratégia baseada em três princípios. O primeiro: nunca use a palavra "clima". Fale sobre "limpar o ar". "Clima" se tornou uma palavra suja. Segundo: dizemos que estamos fazendo isso para criar empregos; energia solar, baterias, eficiência energética, tudo isso rende muito emprego. E, terceiro, dizemos que estamos fazendo isso por segurança nacional, para ficarmos menos dependentes do petróleo do Oriente Médio. Esse é o novo consenso bipartidário, democratas e republicanos. Mas, se haverá senadores o suficiente para isso, não sei.


Natália Paiva
Fonte: Folha de S. Paulo

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