quarta-feira, 3 de março de 2010

Anemia verde

Brasil se atrasa em investimentos com vistas à economia de baixo carbono, mesmo partindo de uma posição invejável

ASSIM COMO se fala de "doença holandesa", o declínio industrial que pode suceder um surto de exportações propiciado por exploração de recursos da natureza, um dia o Brasil poderá figurar em compêndios de história econômica como exemplo do "mal do berço esplêndido". Acomodado na abundância desses recursos -terra fértil, sol, chuvas, florestas, minérios, potencial hidrelétrico-, o país não investe como deveria em inovação para extrair renda desse capital sem dilapidá-lo.
Em lugar de desenvolver-se como uma economia de base natural pujante, com olhos no futuro de baixo carbono, o Brasil atrasa-se na trilha do crescimento "verde". Foi o que mostrou domingo reportagem da Folha.
No pacote de estímulos fiscais do governo federal para contra-arrestar a crise financeira de 2008, apenas 5% dos recursos anticrise mobilizados o foram em benefício de setores "limpos", como o de veículos bicombustíveis. Na média de 17 grandes economias mundiais, o percentual ultrapassou 16%.
O Brasil é um país que já conta com uma matriz elétrica excepcionalmente renovável, graças ao uso intensivo de represas para produzir eletricidade. A média mundial fica em 18% de fontes renováveis, enquanto aqui o percentual atinge 87%.
Mas o planejamento oficial prevê um retrocesso, com o aumento relativo das usinas termelétricas a combustível fóssil -óleo, gás e carvão. A capacidade instalada deve aumentar 45% de 2010 a 2012, contra 18% da geração a partir de biomassa (bagaço de cana, por exemplo). Até 2017, a participação hidráulica na geração cairá de 80% para 71% e a de fontes não renováveis subirá para 19%.
O governo federal se escuda na lentidão do processo de licenciamento ambiental das grandes centrais hidrelétricas, mas faltam investimento em tecnologia e incentivo para modalidades renováveis. O programa de fomento a fontes alternativas (Proinfa) prossegue modesto. Mesmo triplicando a capacidade de usinas eólicas em dois anos, chegaremos a 3.000 megawatts (MW) instalados. É muito pouco para um país com potencial eólico -provavelmente subestimado- de 140 mil MW, o equivalente a dez hidrelétricas de Itaipu.
Até no caso do álcool o país pode ficar para trás. Basta que frutifique o investimento anual de US$ 1 bilhão dos EUA na tecnologia de álcool celulósico, o que pulverizaria a atual vantagem do etanol de cana sobre o de milho. Para comparação, toda a pesquisa nacional no setor recebe menos de US$ 95 milhões ao ano, segundo estimativas.
O governo Lula parece mesmerizado com o pré-sal, como sintetizou o físico José Goldemberg. Não se deu conta ainda de que o petróleo, embora possa e deva ser explorado, é o combustível do passado. É preciso mudar essa lógica, o que não se faz apenas com retórica.

Outro detalhe é a falta de regulação do preço do etanol, combustível que deveria ser considerado sustentável (ambientalmente limpo, economicamente viável) e que por vezes perde espaço à gasolina (maior rendimento em relação ao custo).

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