quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

‘Plano B’ para o setor energético

Estudo feito por especialistas da Unicamp para a organização não-governamental
WWF-Brasil mostra que modelo é ambientalmente sustentável e mais barato



O Brasil dispõe de um caminho alternativo ao escolhido pelo governo federal para garantir o suprimento de energia elétrica necessário ao seu desenvolvimento. Além de tecnicamente viável, a nova estratégia apresenta várias vantagens sobre a proposta original, sendo que duas delas se destacam: é ambientalmente sustentável e mais barato. As constatações são de um estudo encomendado pela organização não-governamental WWF-Brasil, cuja coordenação coube a pesquisadores da Unicamp. Conforme as projeções feitas pelos cientistas, que traçaram um cenário até 2020, caso opte por esse “plano B”, o país pode economizar R$ 33 bilhões em investimentos, gerar 8 milhões de empregos e estabilizar as emissões de gases causadores de efeito estufa relacionadas com o setor. Para isso, porém, será preciso lançar mão de programas de conservação energética e dobrar o uso de fontes renováveis.

País poderia economizar R$ 33 bi em investimentos

Denominado “Agenda Elétrica Sustentável 2020”, o estudo foi desenvolvido durante seis meses. A apresentação à sociedade ocorreu em Brasília, em setembro de 2006. Desde então, as propostas contidas no documento vêm sendo debatidas em alguns âmbitos. “Penso que esta é a maior contribuição da Agenda, ou seja, fomentar o debate mais geral em torno das opções que o Brasil tem para assegurar a energia elétrica necessária ao seu desenvolvimento”, analisa Gilberto De Martino Jannuzzi, professor da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp e coordenador dos trabalhos. De acordo com ele, os pesquisadores utilizaram dados semelhantes aos considerados pelo governo federal para projetar o crescimento da demanda elétrica brasileira no período de 2004 a 2020.


Dessa forma, foi possível estabelecer dois cenários distintos para comparação, classificados de “Tendencial” e “Sustentável”. No desenho feito pelo governo federal, que corresponde ao primeiro caso, o Brasil precisaria contar, no período tomado para análise, com uma capacidade instalada para geração de energia da ordem de 204 mil megawatts (MW), o que representa um crescimento anual de 5%. Na estimativa contida no estudo encomendado pela WWF-Brasil, a capacidade total cairia para 126 mil MW, que equivale a uma evolução de 2% ao ano. A menor oferta, apontam os pesquisadores, seria compensada por medidas de eficiência energética, que incluem melhores tecnologias e uso mais racional da eletricidade. Umas das conseqüências do modelo alternativo seria o adiamento da construção de grandes usinas hidrelétricas.


Paralelamente, a Agenda Elétrica Sustentável 2020 propõe a ampliação das fontes renováveis em substituição aos combustíveis fósseis utilizados para gerar eletricidade. Estes, segundo o Cenário Tendencial, passariam de 19% da capacidade instalada em 2004 para 24% em 2020. “Entretanto, com o aumento progressivo das fontes renováveis, entre elas a biomassa, a energia eólica e a energia solar, seria possível reduzir a participação dos combustíveis fósseis no setor elétrico para algo em torno de 14% do total da capacidade instalada projetada e estabilizar as emissões de gases estufa ao nível de 2004, ano base do estudo”, afirma Jannuzzi. O coordenador do estudo destaca que as medidas contidas no Cenário Sustentável exigirão investimentos menores que os previstos no modelo concebido pelo governo federal.


Economia – Pelos cálculos dos pesquisadores, a adoção do plano alternativo acarretaria uma economia de 12% nos gastos previstos para gerar, transmitir e distribuir energia elétrica até 2020, o que representa cerca de R$ 33 bilhões. “Por meio da redução do desperdício de energia e do aumento da participação das fontes renováveis, seria possível evitar a implantação de aproximadamente 78 megawatts no sistema elétrico nacional, o que corresponde a 60 usinas de Angra 3 ou a seis usinas com a capacidade de Itaipu”, compara Jannuzzi.


Ao todo, afirma o professor da Unicamp, a Agenda Elétrica Sustentável 2020 elenca nove medidas imprescindíveis ao sucesso das propostas (veja detalhes nesta página). São elas: a) realização de leilões de eficiência energética; b) estabelecimento de padrões de eficiência energética; c) realização de licitações tecnológicas; d) definição de metas para investimentos em eficiência, e) implementação do Programa Nacional de Geração Distribuída; f) implementação de uma segunda etapa do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa 2); g) criação do Programa Nacional para a Energia Solar Térmica; h) redução dos subsídios para as fontes convencionais de energia; e i) disseminação constante da informação.


Particularmente, o professor Jannuzzi avalia a Agenda Elétrica Sustentável 2020 como “um tanto otimista”, levando em conta a velocidade de implantação das medidas propostas. No entanto, reconhece que ela é exeqüível do ponto de vista técnico, econômico e ambiental. “Para que as medidas sugeridas possam ser adotadas será necessário, porém, que o governo federal assuma e exerça forte liderança dessa iniciativa, de modo a viabilizar as soluções. É preciso, entre outras ações, definir novos marcos legais e regulatórios, bem como aprimorar os mecanismos de gestão e de iniciativas para transformar o mercado de energia. Infelizmente, o país tem tido uma experiência modesta nessas áreas”, avalia o docente da Unicamp.


Assim que foi divulgado, o estudo encomendado pela WWF-Brasil mereceu elogios e críticas. O secretário-executivo do ministério de Minas e Energia, Nelson Hubner, afirmou na oportunidade que o documento tinha o mérito de abrir o debate sobre o setor elétrico. O secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, Cláudio Langone, considerou o relatório fundamental para desfazer certos mitos. “Atualmente, muitas pessoas dizem que haverá apagão e que o responsável é o setor ambiental. Não aceitamos ser os bodes expiatórios”, disse na ocasião.


Já as críticas mais pesadas ao estudo partiram do presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim. “Acreditar que é possível crescer sem construir novas usinas é uma utopia que levará o país ao não-desenvolvimento. São estudos perigosos para o país. Nós não podemos iludir a população brasileira”, disparou. De acordo com o professor Jannuzzi, ao contrário do que apontou Tolmasquim, a Agenda Elétrica Sustentável 2020 não é uma peça de ficção e foi elaborada com base em indicadores empregados pelo próprio governo. Seu objetivo foi subsidiar novos atores – a sociedade civil – para que possam participar de um debate usualmente restrito e dominado por alguns setores.


As medidas sugeridas


Leilões de eficiência energética
Leilões de eficiência energética devem ser implementados, ou seja, deve-se determinar uma certa quantidade de energia a ser conservada (e/ou a potência retirada) e a sua respectiva comercialização, que poderá ser feita através de órgão independente ou agência de governo, por exemplo. Essa é uma maneira alternativa de se viabilizar, através de agentes de mercado, a consecução de medidas que poupem energia nos setores de oferta e usos finais. Referente aos usos finais, permitirá o desenvolvimento de companhias de serviços de eficiência energética, em relação ao setor de oferta, alavancará a recuperação de usinas hidrelétricas mais antigas através de repotenciação. Estas medidas de eficiência terão um potencial de cerca de 290 TWh em 2020 a um custo inferior ao da tarifa que seria praticada naquele ano. Ademais, deve se considerar que os leilões poderão atrair agentes do mercado para viabilizar, pelo menos, 15% desse potencial.

Padrões de eficiência energética
A Lei de Eficiência Energética deve ter sua implementação priorizada, por meio de aprovação acelerada de padrões de desempenho energético para equipamentos com índices mais agressivos de redução de consumo. Em complementação aos padrões de desempenho para os equipamentos, é preciso promover tecnologias e processos mais eficientes em toda a cadeia produtiva. Portanto, o governo deve aprovar patamares de eficiência energética para todos os setores produtivos, priorizando os setores energointensivos, iniciando pelos segmentos mais ineficientes e com maior potencial de redução. A implementação dos patamares deve ser viabilizada a princípio com incentivos, e posteriormente com multas ou punições, caso o patamar não seja atingido. Além disso, padrões técnicos mandatórios e aplicação de recursos de Pesquisa & Desenvolvimento deverão fazer parte de políticas dirigidas para redução de perdas técnicas de transmissão e distribuição.



Licitações tecnológicas
O setor público representa cerca de 10% do consumo total de eletricidade. Estas agências têm a possibilidade de especificar padrões de desempenho que, por sua vez, estimularão fabricantes a desenvolver e oferecer o produto para atender a essa demanda. Esse tipo de iniciativa é importante principalmente quando está relacionada com novas tecnologias ainda não introduzidas em escala significativa no mercado.



Metas para investimentos em eficiência
Os investimentos compulsórios das empresas de eletricidade em seus programas de eficiência energética e Pesquisa & Desenvolvimento, além do Fundo Setorial de Energia (CTEnerg), estimados em cerca de R$ 400 milhões/ano, precisam ser melhor coordenados para garantir a maximização de benefícios sociais. Portanto, é necessário definir metas para os resultados de investimentos em eficiência, melhorar a capacidade de monitoramento, verificação e avaliação de resultados em termos de MWh conservados e MW evitados que são obtidos através da aplicação desses recursos.



Programa nacional de geração distribuída
O governo deverá implementar um Programa Nacional de Geração Distribuída, por meio do qual estejam previstos incentivos estáveis, transparentes e que permitam o aproveitamento do potencial destas tecnologias. Considerando o grande potencial da co-geração a partir da cana-de-açúcar, critérios e metodologias de valoração, utilizados no âmbito dos leilões de energia nova, deverão estar inclusos nos processos de audiências públicas prévias.



Programa de inventivo às fontes alternativas de energia elétrica – segunda fase (Proinfa II)
O anúncio e implementação de uma segunda fase do Proinfa tem como objetivo garantir 10% da produção de eletricidade a partir de fontes renováveis, até 2010, e chegar a 20% em 2020. O funcionamento do programa de forma menos burocrática, mais transparente e adaptado às necessidades dos produtores das energias renováveis seria um grande ganho para esta segunda fase. É essencial que se garantam incentivos econômicos para este programa, juntamente com o Programa Nacional de Geração Distribuída, onde poderão ser alocados parte dos recursos economizados com a geração evitada de eletricidade, através dos Programas de Eficiência Energética, de modo a não transferir aumento de tarifas aos consumidores.



Programa nacional para a energia solar térmica (Prosolter)
Para aproveitar de maneira efetiva o grande potencial da energia solar térmica no Brasil, é necessário um programa nacional para essa fonte de energia limpa e barata. Tal programa deve incluir metas de desenvolvimento, oferta de incentivos para o financiamento aos consumidores finais e incentivos fiscais, como por exemplo, redução de impostos. As populações de baixa renda podem ser especialmente beneficiadas através de tais medidas. É essencial que se destaque a necessidade de obrigações de instalação em novos edifícios. Cerca de 9% do total das economias de energia do cenário Elétrico Sustentável são decorrentes da implantação de um programa nacional para atingir quase um terço dos domicílios do país em 2020.



Redução dos subsídios para as fontes convencionais de energia
Os subsídios aos combustíveis fósseis favorecem o desperdício de eletricidade e dificultam a inserção de fontes renováveis na matriz elétrica do país. É necessária uma redução e eventual eliminação de tais subsídios, como, por exemplo, a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) que distorce o mercado em favor de combustíveis fósseis como carvão e diesel. Entretanto, deverá haver um tratamento diferenciado entre a utilização dos recursos da CCC para o sistema interligado e sistemas isolados. Para o ano de 2006, mais de R$ 4,5 bilhões serão gastos com a CCC, 10 vezes mais que o valor dos investimentos compulsórios das empresas de eletricidade em programas de eficiência energética.



Disseminação constante de informação
Embora o país tenha desenvolvido programas de informação, seja através do Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel), do Programa Nacional de Racionalização do Uso de Derivados do Petróleo e do Gás Natural (Conpet) e das próprias companhias de energia, é necessário manter continuidade e regularidade na disseminação de informações atualizadas sobre tecnologias de energia e maneiras mais eficientes de sua utilização. Ainda existem barreiras significativas, em especial para difusão de tecnologias de usos térmicos de energia solar, nos setores residencial, industrial e em edifícios.


Fonte:ttp://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/agosto

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